No Brasil, o malabarismo tributário, prática de reclassificar produtos para reduzir impostos, desperta debates sobre ética e legalidade. Essa manobra, comum no mundo corporativo, busca explorar brechas no sistema tributário brasileiro, diante de uma complexa estrutura de classificação de produtos. Esse artigo explora as nuances desse cenário e seu impacto no país.
O malabarismo tributário e sua essência
O malabarismo tributário é uma estratégia legal de empresas que busca alterar a classificação de um produto, visando reduzir a carga tributária que incide sobre ele. Essa prática, por vezes controversa, não é ilícita, mas se torna uma manobra quando há tentativa de burlar o sistema.
Os desafios da tributação no Brasil
A estrutura tributária brasileira é um emaranhado de legislações e normativas, com milhares de leis para aplicar um mesmo tipo de tributo, como o ISS. A complexidade é exacerbada pela existência de mais de 15.000 numerações diferentes na NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul), levando empresas a explorar interpretações ambíguas.
Grandes marcas brasileiras já utilizaram estratégias de reclassificação para reduzir tributos. Confira alguns casos:
1. Sonho de Valsa agora é waffle
A Lacta, em uma manobra fiscal inteligente, reclassificou o icônico Sonho de Valsa de bombom para wafer em 2019. Essa mudança aparentemente sutil, que incluiu a alteração da embalagem de torcida para selada nas extremidades, resultou na isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cuja alíquota anterior era de 3,25%.
A Mondelēz International, conglomerado responsável pela marca, justificou a reclassificação afirmando estar em conformidade com as diretrizes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e as normas fiscais pertinentes.
2. É sorvete ou bebida láctea?
No âmbito das sobremesas geladas, o McDonald’s protagonizou uma revisão similar ao reconceituar seu tradicional sorvete como “bebida láctea” desde o início de 2023. Para os consumidores, a experiência sensorial permanece idêntica à do sorvete; contudo, para os propósitos fiscais junto à Receita Federal, a alteração é substancial.
Enquanto um sorvete arca com uma carga tributária média de 38,97%, considerando todos os impostos incidentes, a bebida láctea é taxada em apenas 11,78%.
Seguindo as regras do direito tributário e ecoando uma tendência observada pela Abrasorvete (Associação Brasileira do Sorvete e Outros Gelados Comestíveis), a rede buscou uma classificação mais vantajosa para seus produtos congelados.
3. Loção embelezadora ou desodorante?
Por fim, temos o clássico Leite de Rosas, produto que atravessou gerações desde sua criação em 1929. Confrontado com uma possível alíquota de IPI de 22% como loção embelezadora pela fiscalização tributária, foi reinventado como desodorante corporal para efeitos fiscais.
A defesa apresentada no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) fundamentou-se nessa nova categorização do produto e logrou êxito; o Carf validou o argumento da empresa que passou a contribuir com um IPI reduzido a 7%.
Esses casos ilustram não apenas o dinamismo das empresas frente ao sistema tributário brasileiro mas também destacam a complexidade deste sistema que motiva tais estratégias criativas para otimização fiscal.
O papel do Carf e dos especialistas em tributação
O Carf e os especialistas em tributação desempenham um papel crucial na interpretação e aplicação das leis tributárias, decidindo sobre a classificação de produtos e seus respectivos impostos.
Essa manobra levanta questionamentos éticos e jurídicos, pois, embora muitas vezes legal, pode ser interpretada como uma exploração de brechas legais para redução de impostos, desafiando a aplicação justa da legislação tributária.